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Entrevista com o Sr. José das Neves
Reportagem publicada no jornal Varadouro, com circulação em Rio Branco, AC, em Abril de 1981

SANTO DAIME: DOUTRINA DO MESTRE
IRINEU QUE PERMANECE HÁ 51 ANOS.

Existem no Acre, um grande número de centros religiosos que utilizam o Daime. O Daime, ou Iagê, ou Cipó, é uma bebida preparada a partir de uma determinada espécie de folhas e um cipó, existentes na Amazônia Ocidental. Com o intuito de levantar as bases para um posterior estudo da doutrina do Santo Daime, VARADOURO colheu alguns depoimentos de pessoas que vivem a realidade do Santo Daime bem de perto. O interesse pela doutrina do Santo Daime, iniciada no Acre com Raimundo Irineu Serra, o Mestre Irineu, tem atravessado as fronteiras do Acre e atraído a curiosidade de gente de muitas partes do Brasil, com também de outros países. Muitos artigos já foram escritos, mas normalmente por pessoas alheias à realidade da doutrina, por isto sempre ficam a desejar. Como toda esta tradição tem raízes populares, nasceu com gente muito simples, ela esteve por muito tempo envolta num véu de preconceito que agora vem se dissipando. Nosso primeiro contato foi com o "conselheiro" José das Neves, acreano do Município do Xapuri, padeiro de profissão e amigo íntimo do Mestre Irineu. José das Neves, está com 73 anos de idade, 40 dos quais vividos ao lado do Mestre Irineu.

VARADOURO - Como o Sr. conheceu o Mestre Irineu?

José das Neves – Ei tinha a idade de 4 anos quando ele passou por Xapuri, depois ele foi para os seringais em Brasiléia e na Bolívia e ficou muito tempo por lá. Mas ficou em mim este conhecimento gravado, ainda que tivesse tão pouca idade. Em fevereiro de 1930 com 22 anos de idade me transferi para Rio Branco. Eu cheguei em fevereiro e o Mestre Irineu chegou em março. Quando chegou maio ele começou o trabalho dele aqui, nessa época ele já tinha 39 anos.

Varadouro – Como o Sr. se encontrou com Irineu? Foi convidado por ele?

José das Neves – Tinha um cidadão que conhecia ele e trabalhava comigo e me disse que Irineu tinha chegado e coisa e tal. Então a razão é que eu procurava este conhecimento. E nesta razão de conhecimento pude alcançar o trabalho. Ele não me convidou, foi tática minha chegar e tomar o Daime mais ele. Aliás ele nunca convidou ninguém. Eu também nunca convidei ninguém, quem quer vai.

Varadouro – Então em maio do ano passado completaram 50 anos que se toma Daime em Rio Branco. Como foi a Cerimônia?

José das Neves: Foi no dia 26 de maio de 1930 que comecei este trabalho com ele, e trabalhamos até o falecimento dele, 41 anos e 41 dias. Naquele tempo não havia farda e este trabalho foi de concentração. Éramos três pessoas. Já faz muito tempo. Não me lembro o nome do outro companheiro. Em 50 anos tem muito declínio.

Varadouro: Fale mais sobre o começo:

José das Neves: O nosso trabalho começou como uma aula. Ajunta 4 ou 5 meninos, faz uma sala e vai ensinado e vai chegando mais crianças, chega um ponto que tem 50 ou 100 alunos. Vai afinando, vai purificando os ensinos cada dia que passa. O professor vai indicando como é, o aluno vai aprendendo a carta do ABC. Naquele tempo era o começo de tudo. De 1935 à 1940 é que o Mestre vai desenvolvendo e recebendo os valores da doutrina, os hinos, a música que vem do astral e não tem nada de inventado.

Varadouro: Uma escola sempre forma os alunos, deixando-os aptos. O Mestre Irineu formou muita gente?

José das Neves: Bom, teve muitos alunos, muito mais de mil, mas nem todos se esforçam para aprender igual. Tem muitos casos de gente que levou a sério, eu vou citar um: Maria Damião foi uma aluna que trabalhou uns tantos anos com o Mestre. Faleceu em 1949, mas aprendeu e recebeu um hinário e por isto será uma pessoa sempre viva dentro da doutrina.

Varadouro: O Sr. também recebe hinário?

José das Neves: Não o meu trabalho é de "Concentração". Eu sou Conselheiro do Alto Santo. Vem uma pessoa com um problema e conforme seu merecer eu dou os conselhos.

Varadouro: O Sr. também faz trabalhos de cura?

José das Neves: O Mestre Irineu fazia trabalhos de cura. Ele tinha este poder e uma boa parte das pessoas que se iniciaram na doutrina foi porque lá receberam sua saúde. Agora quem cura é o Daime, mas precisa da força do Mestre. Não havia antes de nós este trabalho em Rio Branco. Era uma segredo da mata. O Mestre Irineu abriu o conhecimento para outras pessoas a até chegar na situação que está hoje.

Varadouro: E vocês nunca tiveram problemas com a lei?

José das Neves: O Mestre Irineu era muito respeitado e foi amigo de políticos influentes que o procuravam em sua casa. Mas tivemos problemas quando inventaram o negócio de "tóxico". Agora se você quer saber se esta bebida é pura e sólida eu vou dizer que estou trabalhando há 50 anos com ela. Aí se me perguntarem: cidadão ficou alguma parte tóxica? - Eu digo não. O delegado da Polícia Federal me falou assim – Como é? Pela sua pessoa não pode ser tóxico nunca. O Sr. com esta idade, com este corpo e na sua voz não há manqueira. Então não há razão para ser tóxica.

Varadouro: E sua esposa? Sempre lhe favoreceu neste trabalho?

José das Neves: Já está dentro dos 40 anos que nós vivemos juntos e nestas partes ela nunca botou dúvida, porque ela também vem tomando Daime nesses anos todos. Agora me diga uma coisa, quantos anos tu achas que ela tem? - Bem, eu calculo uns 68 anos – Tá vendo como são as coisas, está ai uma mulher que dá conta do serviço todo da casa e está boa para tudo. Ela é oito anos mais velha do que eu portanto já está dentro dos 80 anos.

Varadouro: Eu acredito num casal que viveu tantos anos juntos: para chegar a uma velhice saudável precisou ter muita harmonia no decurso da vida. Foi este o caso de vocês?

Dona Ester: No começo ele era um pouco bruto, mas no passar do tempo foi melhorando.

José das Neves: Mas no começo era ssim, tá vendo este tamborete? Eu dizia isto aqui é um tamborete. Ela dizia não, é um banco, aí vinha discussão. Até que um dia o Daime me pegou e me mostrou que daquele jeito não dava. Então se chegasse em casa e dissesse que era um banco eu me calava, mas ficava firme com minha verdade e ela com a dela. E o resultado qual foi? Fortaleceu minha palavra e a dela e nós fomos deixando de discutir sem precisão.

Varadouro: O Daime vem da mata e a mata está acabando por aqui, como vai ser?

José das Neves: Se acabar coma mata, com a floresta, pode acabar com a humanidade. Pode acabar cm todo ser vivente, porque nos vivemos pela floresta e a floresta por nós. Se terminar com a floresta, então pode terminar com a humanidade que não vale mais nada. Sabe porque? - A floresta nos dã vida e a vida sopra de lá e cobre o mundo.

Varadouro: E os índios?

José das Neves: Eu creio que ele seja um brasileiro superior a nós. Eles vêm do solo e nós viemos arranjados de outros lugares, porque quando foi descoberto o Brasil eles já estavam aqui, já falavam coma natureza.


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