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Céu do Mapiá comemora 20 anos de existência
Fundado por Sebastião Mota de Melo, povoado tem um vibrante e moderno ritmo de vida em plena floresta

Flaviano Schneider
Página 20 - Rio Branco - Acre,
domingo, 19 de janeiro de 2003

E veja também:

Histórico da
Vila Céu do Mapiá

Imagine um lugar situado no meio da floresta, com acesso apenas por água onde habitam amazônidas puruenses, migrantes acreanos, sulistas, estrangeiros convivendo na floresta, sem destruí-la e tendo como fator fundamental de integração e causa da existência a milenar Ayahuasca, aqui conhecida como Santo Daime.

Este lugar existe, chama-se Céu do Mapiá, está situado no Sul do Amazonas, no município de Pauinim. A colonização e fundação do povoado no remoto Igarapé Mapiá é um capítulo épico da história contemporânea do Acre.

O Céu do Mapiá completa 20 anos de existência nesta terça-feira, 21 de janeiro. A comemoração será do jeito daimista, cantando hinário, iniciando com a festa de São Sebastião, hoje às 18 horas, quando será cantado o hinário do padrinho Sebastião Mota de Melo, o fundador da localidade.

A data motivou a que daimistas de outros estados e países comparecessem para participar de uma série de atividades espirituais, culturais e até descerramento de uma placa comemorativa. Todo este movimento porque, há anos, o Céu do Mapiá passou a ser o principal ponto de convergência de filiados, simpatizantes e curiosos de todo o Brasil e de vários países das Américas, Europa e Ásia em relação a esta bebida preparada com dois vegetais amazônicos, o cipó Jagube e a Folha Rainha também conhecida como Chacrona e a Doutrina do Santo Daime, dela originária.

A população da comunidade daimista atinge cerca de mil habitantes, 600 na sede, situada no encontro das águas dos igarapés Mapiá e Repartição, 200 nos sítios no entorno da vila e finalmente outros 200 ao longo do igarapé Mapiá.

O curioso é que esta vila surgiu de um fato inusitado na história contemporânea acreana e amazonense: o impulso do Padrinho Sebastião - então líder de uma comunidade daimista na Colônia Cinco Mil, situada na estrada de Porto Acre, a cerca de 12 kms do centro de Rio Branco - de fundar uma comunidade que vivesse de forma comunitária e auto sustentável no meio da floresta, já que a quantidade de terras que a comunidade possuía no município de Rio Branco era pouca para a execução do projeto e por outro lado era cada vez maior o afluxo de gente em busca do Santo Daime.

Jornada épica começou em Rio do Ouro, no Amazonas

Como diz Chico Corrente, um dos mais antigos seguidores do padrinho Sebastião, o Céu do Mapiá está fazendo 20 anos, mas a jornada começou há 23 anos, quando em outubro de 1980, cerca de 100 pessoas iniciaram a mudança para o Rio do Ouro, região situada no município de Lábrea (AM).

Depois de três anos de árdua luta e intensos sofrimentos, os pioneiros conseguiram abrir centenas de estradas de seringa, construir dezenas de casas, organizar a agricultura com plantio de jardins e pomares, enfim, estabelecendo de maneira admirável um assentamento em plena floresta.

Até que um dia apareceu um “dono” das terras e o padrinho Sebastião evitando entrar em conflito, aceitou a mediação do Incra que sugeriu à comunidade mudar-se para a região do Igarapé Mapiá, então área devoluta e já desabitada por mais de 15 anos.

Em 21 de janeiro de 1983, o Padrinho Sebastião estava à frente da primeira canoa que aportou no local onde foi iniciada a construção da vila, aliás, ele foi o primeiro a saltar da canoa de terçado em punho, limpando o primeiro mato do local, que se tornaria um vibrante povoado poucos anos depois. Foi o recomeço praticamente do zero, pois todo o trabalho feito no Rio do Ouro foi abandonado sem que o pretenso proprietário indenizasse a comunidade por qualquer uma das benfeitorias.

Depois dessa viagem inicial, a comunidade iniciou sua efetiva instalação e quase dois anos depois todos já haviam feito a mudança para o Mapiá .O ponto de apoio no abastecimento da comunidade passou a ser Boca do Acre, cidade que entrou numa fase intensa de crescimento econômico com o movimento provocado pela instalação da comunidade e logo em seguida dos visitantes que começaram a aparecer.

O grande líder Padrinho Sebastião

A presença do padrinho no Céu do Mapiá era fator de atração de pessoas de todas as partes do planeta e depois de sua desencarnação em 1990, o local tornou-se sagrado, destino de peregrinos. O corpo do Padrinho foi enterrado próximo à Igreja, tendo sido ali construída uma capela e, ao lado desta, outra capela com os restos mortais de outro grande líder, o Vô Corrente, tudo contribuindo para estabelecer um clima místico, de grande significado para a comunidade daimista.

Proveniente do vale do Juruá, o Padrinho Sebastião conheceu o Santo Daime através do Mestre Irineu Raimundo Serra, o fundador da Doutrina, por volta de 1930. Ao procurar o Mestre Irineu, em busca de cura para grave enfermidade, Padrinho Sebastião obteve a cura, tornou-se seguidor da Doutrina e passou a cumprir sua missão.

Depois da desencarnação do Mestre Irineu, em 1971, o Padrinho Sebastião desligou-se do Alto Santo, primeiro centro de Daime e continuou o trabalho que iniciara anos antes na Colônia Cinco Mil de forma independente.

Logo juntou um grupo de pequenos agricultores das redondezas, aos quais se juntaram moradores de Rio Branco ininciando-se a vida comunitária que acabou repercutindo por todo o Brasil e chegando aos quatro cantos do planeta.

Nos últimos anos da década de 70, a Colônia Cinco Mil viveu seu período, mais brilhante, onde despontavam o Padrinho Sebastião com suas carinhosas barbas brancas, a madrinha Rita, com sua bondade, os filhos e futuros líderes cada vez mais firmes e um afinado coro de seguidores, músicos e cantores.

Em épocas especiais, como a noite de São João, com visitantes de todos os quadrantes em meio ao simples povo acreano, na presença daquela família real, com o brilho e força do Santo Daime, a Colônia Cinco Mil se transformava no ‘centro do mundo’ e sua luz brilhava intensamente. Em meio aos graves problemas pelos quais passava o Brasil, ali se respirava a esperança de que um novo tempo havia se iniciado sobre o solo terrestre.

O nome do Daime, do Padrinho Sebastião e da Cinco Mil viajaram pelo planeta, a comunidade tornou-se operosa e eficiente. Muitos hinários floresceram, até que chegou a década de 80 e veio a mudança para o rio do Ouro e depois para o Céu do Mapiá.

Desenvolvimento não acabou com a vida comunitária

Inicialmente, a vida comunitária no Céu do Mapiá girava em torno da família do padrinho Sebastião, dos trabalhos na Igreja, existia um sentimento muito forte de comunidade, com trabalhos comunitários, paiol comum, roçados comuns, uma cozinha geral que atendia a todos os comunitários necessitados.

Começou um processo de crescimento, mais pessoas convertidas ao Santo Daime foram se instalando no Mapiá, e com desencarnação do Padrinho Sebastião em 1990 o sistema comunitário foi lentamente mudando como aumento da população. Iniciou-se um regime de escambo nas relações econômicas e ao mesmo tempo surgiu uma classe de pessoas prestadoras de serviços de carpintaria, serraria, motoristas de canoas, mais tarde voadeiras e um intenso movimento surgiu entre a vila nascente e Boca do Acre.

Os moradores iniciaram a abrir colônias interiorizando a ocupação e ao mesmo tempo começaram a adquirir os lotes de terras demarcados pelo Incra na região do Baixo Mapiá de maneira que todo o igarapé até sua foz (boca) está hoje ocupado por comunitários.

Mas, eis que em 1989, quando repercutia intensamente a morte de Chico Mendes e iniciavam os alarmes pelo desmatamento desenfreado da floresta amazônica, toda uma imensa área da região então ocupada pelo povo do Padrinho Sebastião foi transformada em duas florestas nacionais: a Flona do Mapiá/Inauini e a Flona do Purus.

A comunidade firmou um convênio com o IBDF, hoje Ibama, para a realização de um inventário e um plano de manejo para a região ficando a comunidade credenciada a desenvolver um trabalho numa área de 530 000 ha, correspondentes às duas florestas nacionais.

Nada de produtivo gerou o convênio principalmente porque o Ibama nunca investiu nada ali até que expirou e não se falou mais nisto até 1996 quando o termo de cooperação foi renovado, mas, desta vez, o Ibama só renovou em relação à area da Flona Purus, esta por sua vez diminuída em razão da implantação de uma área indígena nas proximidades que tomou um pedaço que acabou reduzindo a flona para cerca de 200 mil hectares.

O beija-flor voou, o tempo passou e tudo mudou

Em janeiro de 1990, acontece a desencarnação do Padrinho Sebastião, passando o comando da comunidade passa para seu filho Alfredo Gregório de Melo. Nesta época, iniciava a expansão internacional da doutrina , que já javia sido precedida pela expansão nacional na década de 80. Tudo isto contribuiu para aumentar a população mapiaense, mudando radicalmente o sistema econômico social interno, tipo socialista cristão.

O conceito de comunidade ficou mais realista dentro do novo contexto, cada um procurando seu lugar, em meio à diversidade, tendo como meta principal, o desenvolvimento espiritual através de um calendário de atividades doutrinárias, onde exercem importância fundamental os Hinários e a bebida Santo Daime.

A mistura do povo amazônida, sulistas e estrangeiros, a chuva de culturas no dia a dia da comunidade criou um relacionamento inimaginável mesmo para mentes férteis. O sistema comunitário ficou então mais flexível, o trabalho e o paiol comum foram substituídas pelas trocas de mercadorias por trabalho e o dinheiro passou a ser moeda de troca nas relações internas.

Surgiram os primeiros armazéns de iniciativa particular, hoje são cinco na vila, fortaleceu-se cada vez mais o intercâmbio econômico com Boca do Acre e os contatos políticos com Pauinim de maneira que o Céu do Mapiá funciona hoje como se fosse um bairro de Pauinim embora esteja situado a um dia de canoa (motor de rabeta) e 8 horas de voadeira.

Hoje o Céu do Mapiá modernizou-se. Tem telefone, TV, parabólicas, conexão à internet, guaraná e coca-cola, tem hospital, tem escola até o ensino médio, de excelente nível, por sinal, com professores altamente capacitados, mas o sentimento comunitário primitivo permanece em alguns momentos e lugares da vida comunitária, como é o caso do mutirão todas as segundas-feiras na vila onde a mão de obra existente trabalha comunitariamente ajeitando a igreja, as ruas, os jardins, as praças etc.

A cozinha geral, depois de muito tempo desativada voltou, foi implantada uma Santa Casa e a orientação doutrinária proveniente dos trabalhos com o Santo Daime apontam sempre para a necessidade de transformação do homem, da prática da caridade e do restabelecimento de relações justas e amorosas entre os seres humanos, não permitindo assim que haja esmorecimento no ideal do Padrinho Sebastião.

Sob a batuta do Padrinho Alfredo, elevado à condição de líder máximo da comunidade, o Céu do Mapiá cresceu, a Doutrina chegou aos 4 cantos do mundo, desde lugares distantes como os países asiáticos, até os confins do Vale do Juruá, embrenhando-se pela floresta amazônica, e sentindo sob seus pés as erupções do fogo da terra no Havaí.

Institucionalmente, mudou muita coisa, separou-se as atividades da comunidade, as religiosas ficariam ligadas à Igreja do Santo Daime enquanto as demais atividades se concentrariam sob a sigla IDA-Cefluris. A associação de moradores ficou reforçada, desenvolveu-se a comunicação, foi implantada uma rádio comunitária, e iniciou a circulação de um jornal, a Folha do Céu.

Daimistas se esforçam na preservação da natureza

Se compararmos a qualidade de vida e a consciência ecológica dos habitantes do Céu do Mapiá com outras cidades e povoados da Amazônia a cidade fundada pelo Padrinho Sebastião está na frente. Para começar, tudo isto que narramos acima aconteceu num desmatamento de pouco mais de 400 hectares em todo o Igarapé Mapiá, computando-se aí as antigas colônias do Incra que tem por lei o direito a desmatar 20% da área.

A Floresta Nacional do Purus, no entanto, continua praticamente intacta e a associação de moradores da Vila Céu do Mapiá exerce a função de guardiã, amparada pelo convênio com o Ibama. No entanto, a comunidade espera ações mais concretas de maneira a mapear as potencialidades da área para que a floresta preservada possa gerar emprego e renda.

O igarapé Mapiá, apesar de 20 anos de exploração, continua com águas límpidas, podendo-se tomar banho nele em pleno centro da vila. A conscientização ambiental é constante e não se vê lixo espalhado pela vila. O alumínio é recolhido para reciclagem e estuda-se reciclagem local para papelão e plástico. Domina-se a técnica de fiação de lã e de algodão que, em caso de necessidade, pode ser expandida rapidamente. Existe uma preocupação constante de limpeza do igarapé, embora em suas partes mais baixas se encontrem plásticos e latas jogadas ao leito d’água.

Existe produção local de remédios para quase todas as enfermidades, grande parte deles baseadas em plantas amazônicas, conhecimento adquirido após décadas de contatos com índios e caboclos. Embora haja, ainda, assistência médica alopática, a principal novidade em saúde são os trabalhos de cura espirituais.

Baseados na certeza de que a doença na matéria é um reflexo do estado do espírito, é bem variada a gama de trabalhos espirituais visando a saúde em um meio extremamente hostil devido a incidência de doenças como malária, hepatite, leishmaniose, hanseníase, etc.


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