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Bença.jpg (4774 bytes) História de Um Homem da Floresta
Estamos disponibilizando aqui o relato de Lúcio Mortimer sobre a vida do nosso Padrinho Sebastião Mota de Melo.

Capítulo 2 - 1ª Parte
O Seringal Adélia


A cada madrugada, ia ele rompendo mata, chavascal e água para fazer mais borracha...

Um jovem de 18 anos, vigoroso e idealista, tem uma disposição de ferro.
Todo o mundo no seringal Monte Lígia tinha encostado as facas de cortar seringa. As "estradas" estavam alagadas. Algumas com água a cintura. A temporada de chuva tinha começado mais cedo neste ano.
Porém, Sebastião teimava. As roupas estavam acabando. Muitas precisões em casa. A mãe doente preocupava a todos, pois seu problema não era só físico, como também mental. Ele precisava de dinheiro. Uma ida à cidade era um pensamento que há tempos acalentava.
A cada madrugada, ia ele rompendo mata, chavascal e água para fazer mais borracha.
Embora o espirito fosse forte, a matéria tinha suas limitações. O  grande esforço de Sebastião na umidade acarretou sérios problemas de  articulação e reumatismo. Acabou na cama gemendo de dores e com os planos desmoronados.
A vida no Monte Lígia estava muito difícil. O preço da borracha cada vez menor.
Naturalmente havia muitos motivos para se alegrar. A vida não era só trabalho e dureza. Aprendera com o pai o gosto pela música. Passava horas dedilhando o velho violão nas folgas das emocionantes pescarias e caçadas ou depois de um suado dia no roçado ou na seringa.
De vez em quando acontecia alguma festa pela região e o velho Manoel Mota era peça indispensável, com sua sanfona dos tempos do Ceará.
Sebastião ia junto. Lá pelas tantas da noite, quando o Pai estava cansado e o povo ainda no embalo de muitas doses, ele agarrava a viola e mantinha a animação em ponto alto.
Bebida para ele era bem pouca. Jamais seria um alcoólatra. Os exemplos vexaminosos de parentes e amigos tinham sido convincentes.
Com seu dom natural de boa convivência era um rapaz muito conhecido e estimado.
Nos últimos tempos um pensamento não lhe deixava a cabeça: Precisava melhorar de vida. Viver de borracha não dava mais.
No Seringal Adélia, da família de José Raimundo Maciel, conhecido por Zé Malunga, ainda se mantinha a tradição dos antigos donos de fazer açúcar, rapadura e grandes farinhadas para negociar com os "regatões".
Agora era o tempo da cana e a moagem já estava marcada. Precisava de gente. Sebastião resolveu ir dar uma força para o vizinho e assim começou uma nova etapa na sua vida de trabalho.
Cortava cana e ajudava no engenho com grande prazer, pois logo nos primeiros dias encantou-se com o posto do chefe fornalheiro que batia os pontos do açúcar e orgulhoso gabava-se da boa qualidade do produto.
O trabalho em equipe era muito mais gratificante. Ele gostou dos companheiros, do novo ritmo, do tanto que poderia apreender e foi ficando.
A noitinha na varanda da casa grande, depois do jantar comum, sempre animadas conversas antecipavam a ida ara a rede.
Numa destas noites ele ficou sabendo que uma grande guerra tinha começado no mundo, mergulhando a Europa num tempo de horror.
Ficou imaginado:- uma guerra, nesta distância toda, em que poderia afetar sua vida, cá nas matas? Em nada. Quanto mais para pior.
No outro dia foi trabalhar sossegado. Nesta ocasião chegou da cidade o Adílio, filho de seu Zé Malunga, que alguns anos morava e estudava em Cruzeiro do Sul, cidade do Acre relativamente próxima ao Seringal.
O rapaz letrado chegou com muitas novidades, e até otimista com a guerra. Falavam na cidade que o preço da borracha ia disparar devido a crescente dificuldade de obter o produto da Ásia.
As notícias de guerra sempre são sombrias e assustadoras, mas no caso dos abandonados seringueiros, soava como uma esperança. Agora o princi[ tema dos assuntos era a valorização da borracha. No Adélia as estradas de seringa estavam abandonadas, cheias de mato e
balseiros.
Adilio ficou encarregado pelo pai de reorganizar o trabalho da coleta do látex pois já valia a pena tal esforço.
Finalmente chegou uma notícia mais auspiciosa: O presidente Getúlio Vargas determinara a reabertura dos seringais nativos contando com a força de trabalho do povo nordestino.
Seriam recrutados milhares de pessoas numa convocação de guerra. Quem não viesse para a Amazônia estava sujeito a ir para a linha de frente nas batalhas da Europa.
Adilio recebeu a nova missão de ir a Manaus para inscrever o seringal Adélia e conseguir a vinda de mais trabalhadores com suas famílias.
Os americanos estavam financiando toda a operação e segundo notícias populares tinham muito dinheiro. Sem a borracha do oriente, agora estavam nas mãos do inimigo, como iriam equipar aviões e carros de combate?
Nestas alturas dos acontecimentos, Sebastião era considerado como filho da casa. Com sua disposição e eficiência conquistara de tal forma a simpatia do Patrão que este o considerava imprescindível para fazer frente a tanta novidade.
Por seu lado o jovem era pura animação. Há algum tempo atrás, sonhara com uma donzela de rosto redondo, muito bonita.
Ele estava triste e solitário, andava na mata e não via nem um bicho, nem o piá de um passarinho. Foi seguindo assim, até chegar na beira de um rio grande, que pensou ser o Jurua, mas as águas eram mais limpas. Olhando para o rio, avistou ao longe uma barquinha toda enfeitada. Quanto mais a embarcação aproximava, mais ela crescia até que passou imponente. No leme ia um homem de longas barbas brancas. Era muita gente, mas no meio do povo o rosto bonito de uma mulher ficou na sua lembrança. Ao passar, o velho do leme apontou para o poente. Agora ele andava no rumo indicado e ia encontrando todos os bichos: veado, anta, porco, tatu, capivara, etc... Os animais comiam frutas silvestres e não se assustavam com ele. Por fim, chegou num terreiro bem limpo e viu a moça da embarcação, sentada num banco sorrindo para ele como se o estivesse esperando, correu na sua direção e acordou subitamente com o simples cantar do galo anunciando que já eram 4 horas da manhã, hora de levantar.
Chegou o inverno, a temperatura das chuvas e dos rios cheios a expectativa de cada dia era ver o "vapor" de Manaus com as famílias nordestinas, atracando no porto.
Não demorou muito tempo e tudo se fez realidade. Chegou a grande embarcação movida a lenha, ao primeiro apito, ainda ao longe o povo todo correu a esperá-la.
Depois das manobras de atracagem começaram aparecer os primeiros passageiros, carregados de bagagens. Umas 30 pessoas entre homens, mulheres e crianças. No meio da turma um rosto bonito e redondo e um pouco assustado de uma jovem que lhe chamou atenção. Lembrava muito a fisionomia do seu sonho. Seria ela a sua escolhida? Rapidamente descobriu que o nome era Rita, filha de seu Idalino e vinha do Rio Grande do Norte.
Estava neste devaneio, quando o Patrão manda chamá-lo. Precisava reforçar a refeição e o jeito era buscar uma caça, visto que a tripulação ia dormir ali. O Comandante desejava comer carne de veado capoeiro.
Não foi possível o tal bicho, mas um porquinho catitu e um mutum, depois de preparados no leite da castanha, fizeram a alegria de uma farta refeição para todos.
Sebastião ia viver muito intensamente este novo tempo. Casaria e um dia com toda família partiria no rumo do Acre que ficava na direção do poente.

Obs: Até o ano de 1944, os relatos são narrativas. A partir desta data os relatos serão baseados em depoimentos de contemporâneos.

 


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