Site do Centro de Documentação e Memória - ICEFLU - Patrono Sebastião Mota de Melo

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Os Ensinos de Sebastião Mota

 

A Convocação para a Vida Espiritual


A primeira impressão que temos dos ensinos de Sebastião Mota é o de uma convocação irresistível para a vida espiritual. Algo que, longe de excluir a dimensão material da vida, ao mesmo tempo nos ensina e nos exorta a dar um sentido mais profundo e espiritual a ela. Esse é o primeiro impacto de sua obra, melhor dizendo, dos ensinos que emanavam diretamente do contacto com sua pessoa. Isso porque sua vida era também um livro aberto e inspirador. Não havia quem não se entusiasmasse com o seu exemplo, tanto na Igreja, onde era sempre o primeiro a chegar, como no dia-a-dia à frente da comunidade, enquanto a saúde o permitiu. Essa coerência entre suas palavras e suas obras nos ajudava a descartar os nossos medos e dúvidas. Quando estava atuado, seu semblante se transfigurava, os seus olhos brilhavam e todo seu ser resplandecia em verdade. Quando voltava a si, era o bom companheiro, o melhor trabalhador e o amigo leal. A partir do seu exemplo e da sua companhia, era possível aprender esse sentimento novo que significa estarmos absolutamente abertos e disponíveis para aquele justo momento que transcorria ali, bem diante dos nossos olhos, e que experimentávamos com toda a intensidade do nosso ser.
 
Ao mesmo tempo, essa convocação espiritual era feita de uma maneira persuasiva, interior, sem que em nenhum momento nos sentíssemos pressionados ou coagidos. Inclusive porque, para Sebastião Mota, a espiritualidade pressupõe uma enorme liberdade do ser em busca do próprio caminho, aprendendo com as escolhas e as experiências. Ao mesmo tempo, essa liberdade precisa ser equilibrada com uma grande disciplina e senso de responsabilidade ética. Ele sempre dizia que não deveríamos ter medo de aprofundar o nosso conhecimento.Quem temer, lascou-se! E ainda aconselhava para não deixarmos trabalho nenhum pelo meio, principalmente se fosse espiritual.
 
Suas palavras nos remetiam a uma sensação de estarmos vivendo um grandioso épico, uma continuação da autêntica saga religiosa dos tempos antigos e dos dilemas e contradições dos primeiros tempos do cristianismo primitivo. Falava do Daime e das Escrituras estabelecendo sempre analogias e alegorias para explicar os fatos do passado pelos do presente e vice-versa.
 
No sistema de Sebastião Mota, a apresentação da verdade espiritual vinha sempre em primeiro lugar. Cada um que chega até o Daime, parecendo ou fingindo que é alguma coisa, tem que apresentar aquilo que verdadeiramente é. A verdade do nosso ser nos é exigida a cada momento. É ele que nos diz que perante a força espiritual presente no trabalho, dentro do quebra-cabeça da miração é preciso resistência na matéria e coragem no espírito. Sebastião Mota dizia que se tivéssemos humildade a verdade poderia nos curar e converter à causa espírita logo de saída. Pois a verdade, quando é revelada por uma genuína experiência espiritual, tem um grande poder cauterizador sobre todas as nossas ansiedades, medos e dúvidas. Como disse o apóstolo João, quando o coração não nos acusa, podemos seguir em frente sem medo, a fim de que se manifeste em nós aquilo para o qual estamos destinados.
 
Uma vez que sentimos o efeito dessa convocação para a vida espiritual por intermédio da verdade, passamos a anelar pelo nosso ser verdadeiro, o famoso ser e não parecer que o Padrinho gostava tanto de repetir em suas preleições. O Mestre Irineu aconselhava a fazer o bem e não fazer o mal. Essa é a melhor maneira de se sentir seguro e protegido ao invocar as potências espirituais do Daime. Parece que em todas as épocas, entrar em contacto com a verdade espiritual exige um enfrentamento não apenas social e histórico, mas também com as verdades espirituais e religiosas estabelecidas.
 
Para Sebastião Mota, sem essa firmeza e segurança de que a Doutrina nos fala, nosso trabalho oscila entre dois extremos: uma hora pensamos estar garantidos, como diz o hino de Maria Marques, sem necessidade de fazer mais nada pela nossa salvação; numa outra, duvidamos de nós mesmos, de nossa capacidade de se transformar. Ambos os procedimentos são falhos. É preciso apenas insistir em uma sinceridade interna, um compromisso com a verdade para elevar nossa existência ao nível espiritual. Mas isso só acontecerá se nos tornarmos conscientes do nosso trabalho interior e dos condicionamentos que nos levam a uma falsa percepção de nós mesmos. Além disso, também é necessário uma entrega ao Daime, uma vontade sincera de cumprir as intruções recebidas dele. O que significa um fortalecimento da nossa força de vontade para cumprir as transformações que certamente nos serão exigidas nesse processo. Esses são os pré-requisitos básicos exigidos para quem quiser atender a convocação espiritual de Sebastião Mota e trilhar o seu Evangelho.
 
Não havendo uma sinceridade de propósito nessa direção, uma consagração do caráter espiritual e alquímico deste trabalho de auto-conhecimento e de auto-transformação, não é possível evoluir espiritualmente dentro da linha do Daime. Isto porque a espiritualidade enteógena, além de exigir ética, sensibiliza e amplia a nossa consciência, nos mostrando a verdade do ser, a responsabilidade da encarnação. Dessa forma, acelera e intensifica esse verdadeiro julgamento interno. Nesse estado de consciência, não é fácil se manter iludido, a verdade é mostrada em sua crueza, assim como tudo aquilo que deve ser feito. Nesse momento é o nosso Eu Superior que sentou no trono do ser e está avaliando nossas atitudes errôneas. Se elas não nos incomodam tanto no nosso estado normal, o mesmo não acontece durante a miração. Solenemente somos chamados ao nosso santuário interno a nos justificarmos de qualquer atitude que não esteja respaldada na inocência. Essa é a hora sagrada, onde a consciência adquire capacidade de extrapolar do psíquico ao divino, fixar o alvo da transformação exigida e concentrar a força de vontade necessária para alcançar a sua meta.
 
A voz interna avisa, mas fala bem baixinho, é preciso prestar atenção e estar sempre acordado. O veredicto que recebemos é o peso que fica impresso na nossa consciência sempre que ela nos acusa, gerando culpa. Sem dúvida, no nível de consciência visionária, a experiência de busca espiritual às vezes mais parece uma luta, uma batalha do que um caminho idílico e sereno. Problemas de muitas encarnações podem ser resolvidos naquele preciso instante. Mas para isso acontecer é preciso seguir uma boa trilha. Mesmo para se regular internamente de acordo com a voz interna do Daime, é necessário um padrinho(um mestre). É isso que Sebastião Mota nos mostra nos ensinos deste seu Evangelho. Não se contentar apenas com o cineminha da miração sem compromisso, mas buscar uma nova dimensão do conhecimento pela miração do Daime. Algo que não pode ser aprendido nos livros mas apenas no êxtase. O que, até há bem pouco tempo, pensou-se ser uma faculdade de poucas pessoas especialmente predestinadas e preparadas para tal, mas que Sebastião Mota nos garantiu que estava acessível para cada um de nós, desde que seguíssemos corretamente a Doutrina.
 

Lembranças do Passado

 
A convocação espiritual é apenas o primeiro grande impacto do contacto com Sebastião Mota, é apenas o preâmbulo para nos conduzir ao nosso renascimento espiritual, verdadeiro ponto de partida. Antes dormíamos e agora já estamos despertos para a verdadeira vida. O próximo passo é saber quem somos e nos transformar naquilo para o qual estamos destinados. Se não sabemos ainda é porque levamos a vida como sonâmbulos, dormindo acordados.
 
Nos seus ensinos, o Padrinho vinculava o renascimento a uma outra pesquisa interior que ele denominava de lembranças do passado. A miração, da mesma forma que o sonho, traz para nós uma linguagem alegórica e cheia de significados, ambigüidades e interpretações. A tradição enteógena, cujas verdades são testadas durante a experiência visionária, constitui-se em um precioso acervo da memória akashica, a mesma fonte inspiradora de revelações espirituais usada por todos os santos, rishis e profetas do passado. As visões nos obrigam a uma constante elaboração interior, a começar pela abertura de nossas portas de percepção e dos nossos canais mediúnicos. Fazem-nos progredir lentamente da consciência dos fenômenos psíquicos até atravessar as fronteiras dos domínios propriamente espirituais.
 
Sebastião Mota nos ensinava a acreditar nas sincronicidades que eram criadas no estado de consciência expandida. E também nas visões que, inexplicavelmente, se insinuavam na nossa mente e que só podíamos compreender como vestígios de outras encarnações. Essas imagens, lembranças, visões e sonhos, seriam as pistas acessíveis ao viajante. Ele deve cada vez mais ter consciência de estar desdobrado e lúcido dentro da miração, como no sonhar acordado de D.Juan. Ele precisa responder com desenvoltura ao enigma proposto pela esfínge - decifra-me ou te devoro - para não ser enganado ou devorado pelos monstros criados pela sua própria mente. Há uma sutil diferença entre a mente que projeta suas próprias quimeras e a que seguramente recebe emissões de verdade. É preciso ter renascido para saber a diferença entre uma coisa e outra, podendo assim escutar a voz interna sem risco de se ver incorporado por algum espírito zombeteiro e tomar seus conselhos como verdadeiros.
 
E o que dizer então quando somos transportados no tapete voador do vôo xamânico, para o interior do êxtase visionário, nos sentindo os protagonistas de situações, épocas, cenas e atitudes que se afiguram para nós como absolutamente reais? Ultrapassando a última fronteira da imaginação estão as lembranças do passado. Aquele estado de indescritível familiaridade com um determinado holograma da miração e que nos evoca a nítida sensação de uma revivência.
 
Com toda simplicidade, Sebastião Mota nos ensinava que essas visões de tipo especial, que ele denominava lembranças do passado, criavam em nós um sentimento de identificação com essas experiências arquetípicas, o que muito nos auxilia para encontrarmos a nossa identidade espiritual. Desperto o Eu, nos tornamos conscientes do nosso atual padrão kármico e daquilo que deve ser batalhado nessa vida para o cumprimento de nossa evolução espiritual. O Daime, ao nos permitir essa identificação com arquétipos, mitos ou personagens, nos cobra também a grande responsabilidade que é zelar pela matriz espiritual que foi escolhida. As lembranças do passado são como peças do nosso quebra-cabeça espiritual. Ajudam a cada um encontrar o fio da meada de suas encarnações e a ter consciência dos desafios que precisam ser superados para se sair da roda dos samsaras. Sebastião Mota costumava referir-se a uma mente leal e perfeita, como sendo esse estado mental gerado pela pureza e pelo cultivo das virtudes da Doutrina. É com tal mente que podemos discernir o joio do trigo, o psíquico do espiritual, a imaginação fantasiosa, fruto da gratificação ou da frustação dos desejos, do poder plasmador da consciência espiritual, aquela que pensa, fazendo-se .O próprio Sebastião Mota trilhou todos esses caminhos até encontrar em muitas mirações uma forte afinidade e identificação com São João Batista.
 
Da mesma forma, ele nos instigava a descobir quem cada um era e principalmente para que correspondês¬semos ao modelo inspirador da nossa espiritualidade. Costumava perguntar-nos: e aí, já descobriram de qual planeta ou estrela vocês vieram? Portanto, temos que encontrar dentro do nosso atual padrão kármico qual é a nossa matriz espiritual. Ambas devem ser buscadas nas nossas vidas anteriores. Elas nos permitem lutar com mais clareza contra as tendências que adquirimos e que geralmente se manifestam em nós como verdadeiros obstáculos espirituais para o renascimento.
 

Renascimento Espiritual

 
A convocação espiritual começa com uma sensação de acordamento. Aos poucos vamos nos relembrando da nossa origem e iniciando a gestação espiritual para o novo nascimento, quando receberemos, ainda nesta vida em matéria, a fé e a certeza do que iremos encontrar além dela. Sem isso, dificilmente nos manteremos auto-conscientes do outro lado. Pois somente o Eu recém-nascido, com a mesma energia de um bebê curioso, consegue abranger uma perspectiva da vida que não é apenas material.
 
O Padrinho Sebastião costumava ilustrar a idéia de renascimento com a imagem do pinto saindo do ovo. Segundo ele, o pinto já está vivo quando o embrião se completa dentro da casca, mas ele precisa ter força para bicar a casca e sair, senão ele não consegue viver. Essa é a situação do homem que passa toda a sua encarnação identificado apenas com seu eu-material e sua personalidade egóica. Está dormindo e não acorda porque não consegue realizar o instinto da verdadeira vida e romper a casca. O Padrinho Sebastião dizia que quem não despertar, ainda em vida, para uma consciência da vida espiritual, é um aborto e não realizará o nobre desígnio para a qual a sua encarnação foi destinada. Desperdiçará sua chance, e segundo os versos do Mestre Irineu, "se Deus lhe der licença volta noutra encarnação". O que, segundo Sebastião Mota, é uma coisa cada vez mais difícil de se conseguir no final dos tempos.
 
Tudo isso não constitui nenhuma novidade. Cristo, ensinando a Nicodemus, afirmara o mesmo: quem não nascer de novo não verá o reino de Deus . E Sebastião Mota acrescentava: Viu? O que vale não é ser parido. Mas como parir esse Eu Superior, essa consciência crística, essa presença do Eu Sou, no meio a essa infinidade de pequenos "eus" incubados dentro de nós e em eterna luta pelo poder interno? Como ter força para colocar o verdadeiro Eu no seu lugar, sentadão no trono, vendo tudo e dominando esses depósitos de carne que lhe foram dados como invólucro?
 
A estratégia que o Velho recomendava para alcançar a realização se resumia em seguir os preceitos deixados pelo Mestre Irineu: tomar Daime não apenas para ver belezas e primores mas principalmente para corrigir os seus defeitos, ter seriedade na busca espiritual e prestar atenção nos hinos. Esta era a Doutrina e o resto viria por acréscimo. Todas as nossas forças deviam estar canalizadas para o nosso auto-conhecimento. Isso porque o Deus de cada um está dentro de nós e buscar Deus significa buscar Deus dentro de si próprio. A busca de Deus já é Deus. Significa que Ele pelo menos já se instalou dentro da nossa consciência para nos mobilizar em sua direção que é o mais profundo de nós, onde o Ser reside.
 
Sebastião Mota dizia que as plantas enteógenas, nos levam a essas alturas espirituais. Elas são, além de poderosos remédios para a doença e o marasmo espirititual que assola a humanidade, também instrumentos para despertar este Deus Interno que habita em cada um.
 

A Experiêcia Mística com o Sacramento Daime

 
Ele também dizia que, como havia muita coisa para ser revelada, Deus deixara esse Santo Daime para que digamos assim: dai-me! E acrescentava: e tudo que o sujeito pede Ele dá, em cumprimento à promessa das escrituras que diz que todo aquele que tiver fé e bater será aberto e a quem pedir lhe será dado. Esta invocação no nome da bebida é a chave da fé daimista e propicia o acesso aos mistérios do conhecimento sagrado. Através dela é que potencializamos o uso do sacramento, que não é apenas uma bebida mas um Ser Divino, para que ele nos revele o sentido esotérico da Doutrina e a estratégia para a nossa transformação. Aconselhava Sebastião Mota: não fiquem naquela de ser o mestre e sim esperem por ele. Essa invocação é que é a coisa mais linda!
 
É esta comunhão com o Ser através da bebida que provoca a questão. Isso porque as diversas entidades e pensamentos que querem responder pelo verdadeiro Eu se sentem ameaçadas. O Eu Superior, a presença do Eu Sou quer se colocar dentro do nosso aparelho, porque Ele é como um rei que teve seu trono usurpado. Quando pegamos o copo e invocamos o Ser, os outros provocam a questão. A questão, na realidade, é saber quem é o verdadeiro dono da casa e o governante do corpo-templo.
 
O Padrinho comparava o renascimento espiritual com o homem que, depois de uma longa viagem(o tempo em que permaneceu dormindo inconsciente ao chamado para a vida espiritual), volta para sua casa e vê que ela está abandonada e ocupada por toda sorte de aranhas caranguejeiras e vagabundos de todo tipo. São os mesmos espíritos vagabundos a quem se refere o Mestre Irineu e que se instalam nos aparelhos que se encontram desgovernados.
 
O trabalho espiritual que se segue ao renascimento, exige que, aos poucos, o nosso verdadeiro Eu assuma as rédeas do nosso governo interior. É preciso arrumar a casa, expulsar os vagabundos, colocar boas fechaduras para que eles não retornem quando o dono da casa, por algum motivo se ausentar novamente. Mas a resistência dos nossos falsos eus é muito grande. Eles não querem ceder o território ocupado. Passamos então por momentos difíceis para controlar a situação.
 
A questão provocada pelo aparecimento do dono da casa persiste até que a sua vontade e soberania prevaleçam totalmente. É necessário, às vezes, realizar acordos e composições. Mas a doutrinação há de ser árdua e persistente, caso contrário, não haverá solução definitiva. Os aparelhos precisam ser disciplinados. Negociar a entrega nem sempre produz resultados duradouros. E algumas vezes nos conduz para aquilo que chamamos de peia, isto é, uma disciplina que recebemos quando não sabemos ultrapassar um ponto cristalizado do nosso trabalho interior, o que impede a nossa passagem para o degrau seguinte. Quando, sob o efeito do transe visionário, resistimos à verdade que está sendo mostrada pela miração, somos atraídos até esta cristalização. Lá sentimos conflito, desconforto e sofrimento. O que às vezes pode ser necessário para consolidar uma decisão à transformação necessária apontada pela nossa consciência.
 
Como diz o autor deste Evangelho, quem tiver feito o seu angú que coma. Se ele tiver caroço, o jeito é comer assim mesmo. Sem nenhum constrangimento, pois dentro de uma sessão espírita, todos são obrigados a atravessar pelas provas de conhecimento que são exigidas à realização espiritual. Ainda segundo o Velho: a gente chega cheio de confusão e quer um mar de rosas? Não é possível. Tudo aquilo que a gente bota pra fora na hora do aperto é nosso.
 
Neste estado, fora ou dentro da miração, o ato de pensar, invocar e sentir com o coração é uma poderosa chamada, um ato de grande responsabilidade, pois estamos sendo cúmplices da própria Criação Divina. Estamos ajudando os seres angelicais a continuarem movendo as poderosas energias que deram origem, e ainda hoje estão plasmando o nosso universo, onde o homem é apenas uma pequena jóia, uma criança.
Quando estamos conscientes desta realidade é que podemos ser e não parecer, pois nestes momentos estamos criando o universo. Não adianta posar de uma coisa que na realidade ainda não somos. Não se finge o ser. O ser é uma realidade interna que se irradia naturalmente para fora. Antes de se constituir aos nossos olhos enquanto uma realidade, ele se insinua como uma lembrança de algo que já conhecemos e fomos. A certeza e a verdade desta lembrança chama-se renascimento ou a verdadeira iniciação.
 

A Cura e a Questão do Desenvolvimento Mediúnico

 
O desenvolvimento da nossa trajetória espiritual não pode ser dissociada da necessidade de limpeza e de cura. Aliás a cura é o próprio processo de constante alinhamento do ego com o ser interno. O renascimento espiritual é o ponto culminante da cura, depois de um longo período de correção dos nossos pontos de vista errôneos, e a conseqüente iluminação de vários seres que estão por trás de cada uma de nossas tendências negativas. Se cada pensamento é um ser, como dizia Sebastião Mota, mesmo em nosso estado normal de vigília, ao doutrinarmos as inclinações e as pequenas obsessões do cotidiano, estamos trabalhando mediuni¬camente. Mesmo que não tenhamos consciência desse fato.
 
Todos os mestres espirituais aconselham que, além do cumprimento das necessidades básicas do bem-estar, não devemos dar uma importância exagerada à matéria, pois isso implicaria em consolidar a posição dos eus ilusórios que se apossaram da nossa casa. Significa também se prender ainda mais ao padrão de identificação que nos une a esses seres, assim como às armadilhas do ciclo de gratificação e frustação diante dos desejos satisfeitos ou não. Com essa vigilância bem estabelecida, passamos a entrar em contacto com as autênticas fontes de energia e inteligência que percebemos na forma dos nossos guias de luz e instrutores, ou simplesmente na sabedoria da nossa voz interior.
 
É comum a muitas tradições espirituais associar a cura com a intervenção dos espíritos, agindo num nível áurico, etérico e mesmo físico. Essa compreensão nos ajuda a entender mais essas realidades espirituais autônomas, normalmente denominadas de entidades e que tanta influência exercem em nossa vida. Para efeitos didáticos, costuma-se separar as entidades em boas ou más, em positivas e negativas. Mas na prática é difícil estabelecer tais fronteiras porque todas elas são necessárias à nossa evolução e crescimento. Sebastião Mota nem sempre preconizava um combate frontal, uma exclusão pura e simples das entidades negativas. Ele aconselhava uma solução negociada com firmeza entre o Eu Superior e o Eu Inferior. Juntar o positivo com o negativo a fim de que haja luz.
 
Esta é a essência do desenvolvimento mediúnico dentro da Doutrina do Santo Daime e dos ensinos de Sebastião Mota. Desenvolver nossa capacidade de entender todos os meandros da nossa realidade interna, ao mesmo tempo que firmamos aquelas que fazem parte do nosso verdadeiro ser. Desta forma, nos liberamos do perigo de sermos dominados ou mesmo obsedados por vibrações negativas e inconvenientes, que normalmente são as raízes de perturbações, desequilíbrios e doenças.
 
Muitos são os testemunhos de curas pelo Daime de graves enfermidades físicas, das quais as pessoas já se encontravam praticamente desenganadas. A começar pelo próprio Padrinho Sebastião, que conta neste livro como foi curado, logo na primeira vez que tomou Daime com o Mestre Irineu. Ele deixa claro em seu depoimento como dava importância ao poder de cura do Daime, que identificava com a própria presença crística. Jesus em seu ministério não foi um curador e um milagreiro? Sebastião Mota dizia que tinha muito orgulho que o chamassem de macumbeiro, pois era dessa forma que o Cristo foi chamado pelos seus detratores e por aqueles que o perseguiam.
 
Apesar da dificuldade que as religiões institucionalizadas têm de aceitarem a prática da cura espiritual, as técnicas empregadas por Jesus se assemelhavam muito mais ao sistema xamânico e às operações espíritas, do que com a frieza do modelo médico científico. Ele expulsava espíritos, exorcizava obsessores, curava cegos fazendo bolinhas de lama e de saliva, fornecia ectoplasma, curava à distância, etc.
 
Todas as curas dependiam basicamente de três coisas: a consciência, o arrependimento e a fé. Fé em Deus e em si mesmo, para que o Eu tenha força de vontade suficiente para adquirir e manter a graça recebida. Uma vez o Padrinho fez um trabalho de cura para um homem considerado meio idiota e que tinha a estranha mania de ficar segurando o pescoço, com medo que ele vergasse sob o peso da cabeça. Aquilo não se resolvia e uma hora ele levou o homem pra fora e ordenou-lhe com todo o carinho: Meu filho caminhe até acolá com as mãos no bolso e estará curado. E acrescentou ainda: Faça isso por mim. Depois de algumas tentativas mal-sucedidas, o homem conseguiu cumprir a ordem e curou-se.
 
Fiel a esta compreensão, enquanto viveu, recebeu e tratou muitos casos difíceis. Recebia da mesma forma os estrangeiros ricos e os miseráveis da beira do igarapé, que nessa época eram a esmagadora maioria dos pacientes. Ia pessoalmente em todos os trabalhos e explicava em bom português e em outras línguas estranhas, o que fazer para iluminar os espíritos sofredores, curas que às vezes realizava no seu próprio corpo físico. Presenciamos muito verdadeiros milagres. Desde pessoas miseráveis e subnutridas que ficavam boas com um pouco de comida e de amor, até dementes acorrentados trazidos de canoa por parentes até ele e que o Padrinho mandava soltar já no porto. E que, para o espanto de todos, se tornavam imediatamente dóceis.
 
Para ele, iluminação, cura, renascimento, mediunidade, encarnação, tudo isso eram graus de iniciação que de forma alguma estavam separadas do dia-a-dia da comunidade espiritual e suas batalhas. Seu sistema de sádhana ou prática espiritual era zen e dinâmico, pouco afeito a uma postura quietista de contemplação. Exigia de cada irmão um esforço simultâneo em três frentes: auto-conhecimento, caridade e vida comunitária.